Visão do Fã | Uma Noite Alucinante
Há muitos cineastas com histórias fascinantes que de uma forma, nos inspiram em algum grau. Este é o meu caso com Sam Raimi, um sonhador e amante da comédia desde a sua adolescência. Por volta de seus 15 e 16 anos, Raimi já realizava curtas-metragens com Bruce Campbell e outros amigos. Porém, pouco sabia como sua vida mudaria com a produção do clássico do horror: Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio (1981).
Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1981)
A trama do filme é simples: cinco amigos decidem passar alguns dias numa pequena casa de madeira no meio de uma floresta no Tennessee. Lá eles encontram o “Livro dos Mortos” junto com um gravador. Na fita, apresenta-se um arqueólogo recitando um trecho do livro que invoca alguns espíritos demoníacos que irão assombrar e tomar a vida das pessoas.
Com direito a tudo quanto é problema, The Evil Dead é admitido abertamente por Sam Raimi como o trabalho mais difícil que já fez. E como expliquei, a dupla Raimi-Campbell produzia filmes desde muito cedo. Foi na faculdade que conheceram Robert Tapert, a peça chave que faria o clássico acontecer.
A intenção deles sempre foi fazer filmes de comédia, pois gostavam daquilo. Contudo, Rob Tapert alertou que se eles quisessem ter sucesso teriam que produzir um filme de horror, pois não se fazem comédias de baixo orçamento. Por outro lado, no cinema de horror isso é totalmente possível.
Naquele mesmo dia, Rob levou Sam para o cinema para assistir o lendário Halloween – A Noite do Terror (1978), de John Carpenter. Ainda demorou algum tempo para cair a ficha, mas logo se convenceu que teria que realizar um terror.
Desde então, seguiu-se diversas noites com o trio Bruce, Rob e Sam indo ao Drive-in. Bom ou ruim, o importante era que fosse um filme de horror. Desde filmes consagrados, como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e A Noite dos Mortos Vivos (1968) aos assim denominados “filmes B”, com baixíssimo orçamento, e muitas vezes péssimos.
Em 1979, o trio produziu o curta Within The Woods, um protótipo para Evil Dead. O curta-metragem foi realizado numa fazenda dos pais de Rob e foi feito para mostrar algo aos investidores. Dessa forma eles reuniram algo em torno de 85 mil dólares. A quantia não era suficiente, mas já dava para fazer boa parte.
Filmado realmente no estado americano do Tennessee, Uma Noite Alucinante utiliza de muito efeito prático. A espingarda usada era de verdade, assim como os tiros que vemos no filme são todos reais. As cenas em que o “mau da floresta” invadia a casa e quebrava a janela realmente foi feita quebrando vidro! Um quebrava com algum objeto sólido e outro movimentava a câmera tudo ao mesmo tempo.
Há histórias do set envolvendo até mesmo drogas. Numa das tentativas, surgiu a ideia de filmar a cena que eles escutam a fita com os atores fumando maconha. Entretanto, o resultado não foi satisfatório e decidiram regravar.
As condições da produção eram extremamente precárias. O frio era intenso, mal havia comida, as filmagens chegavam a durar 16 horas por dia. Para se aquecerem, eles tinham apenas um aquecedor para fazer café e de vez em quando esquentavam água para deixar as mãos quentes.
Várias pessoas abandonavam o set porque sempre demorava mais que o esperado, além das constantes interrupções feitas. Já que quando acabava o dinheiro, o trio precisava parar e arranjar um emprego temporário para ganhar uma quantia razoável.
Assim que pronto, o novo desafio era encontrar uma distribuidora que pudesse colocar o longa nas salas de cinema. Eles foram a uma por uma das companhias americanas, mas todas disseram não. No entanto, a jornada deles não acabou por aí. Por uma questão de muita sorte, eles acharam um agente de vendas do ramo do cinema chamado Irvin Shapiro.
Shapiro assistiu ao filme e viu a oportunidade de ganhar algum dinheiro com aquilo. Por isso decidiu levá-lo a Cannes. Mas não pense que seja o tão aclamado festival. Foi exatamente a sua contraparte, o Marché Du Film, em português, o mercado de cinema de Cannes. Enquanto o festival é voltado para a produção cinematográfica com fins artísticos, o mercado é para fins lucrativos.
O objetivo era transmitir numas vinte salas e conseguir cerca de uns vinte mil dólares. Porém, foi durante uma dessas sessões que lá estava ninguém menos que Stephen King! O famoso escritor de livros de terror, como O Iluminado (1977), Colheita Maldita (1977), It (1986), Carrie (1974), Christine (1983), dentre muitos outros, estava lá para promover Creepshow – Arrepio do Medo (1982), filme de George Romero e com o roteiro de King.
Para a época, Evil Dead foi tão chocante e assustador, que dizem que foi capaz de fazer até mesmo Stephen King gritar de medo dentro do cinema. É isso que Sam Raimi, enquanto dava uma entrevista à IGN, contou que ouviu as pessoas dizendo. Coincidentemente, o escritor também estava representado por Irvin Shapiro no festival.
Dessa maneira, o agente de vendas passou o telefone de Stephen King para Sam e o orientou para que pedisse uma frase na qual ele pudesse colocar no marketing do filme. A generosidade de Stephen foi tão grande que ele não ofereceu apenas uma frase, ele redigiu uma crítica inteira e publicou na revista The Twilight Zone.
“O filme de horror mais feroz do ano”. Foi esse trecho do texto que Sam usou para colocar no pôster de divulgação. Depois disso, o filme bombou. A bilheteria nos Estados Unidos bateu 2,4 milhões de dólares e tornou-se no clássico do terror que hoje conhecemos. Sam Raimi e Bruce Campbell fizeram sucesso em Hollywood.
E realmente o filme é tão bom quanto é apontado. É incrível como até hoje algumas cenas ainda podem chocar o espectador. O uso do gore é exagerado a ponto de mexer com o estômago de que assiste.
Mas Uma Noite Alucinante não é refém disso. O suspense em torno de quem será a próxima vítima, a câmera que nunca revela a aparência dessa coisa maligna presente na floresta, a montagem e a fotografia que trabalham com planos muito próximos numa impressionante sequência e a própria decoração medonha da casa são gatilhos no qual o filme se utiliza para despertar o medo desde o início.
Chocante, feroz, visceral, Evil Dead é uma obra-prima do horror.
Nota: 5 / 5
Uma Noite Alucinante 2 (Evil Dead 2, 1987)
Diferente do primeiro filme, aqui Sam Raimi mistura comédia e terror. Há elementos básicos do horror, dentre eles o susto, assassinatos, monstros, porém a cena leva para um momento de descontração e surpreende o espectador com momentos de comédia por meio dessa mistura do sobrenatural com o absurdo, o exagero e o nonsense.
A narrativa de Evil Dead 2 mostra Ash, interpretado por Bruce Campbell, sobrevivendo sozinho na floresta. Ele resiste ao mau e consegue se livrar dele temporariamente. Na tentativa desesperada de sobrevivência, nosso herói deve achar um meio de saída daquele lugar. Enquanto isso, novos personagens entram em cena. Dentre eles, uma arqueóloga capaz de traduzir o Livro dos Mortos e assim provavelmente parar de vez com este mau.
A mistura de comédia e terror no segundo filme da franquia estabelece um excelente equilíbrio entre esses dois gêneros. Gradativamente, vai abandonando o terror e abraçando de vez a comédia, fazendo com que não haja esse estranhamento entre os tons de um filme e de outro.
O uso brilhante do stop-motion para realizar cenas como o corpo possuído da namorada de Ash dançando ao luar reproduzem momentos cinematográficos magníficos para quem gosta de efeitos especiais.
Após o desfecho de Evil Dead, em que Ash é supostamente morto, o diretor Sam Raimi não tinha intenção de fazer essa continuação. No entanto, o fracasso da bilheteria com seu primeiro filme em Hollywood, Crimewave (1985), o levou a repensar sua carreira.
Irritados com as interferências do estúdio, que modificou gravemente seu trabalho, Sam, Bruce e Rob não acreditavam que alguma empresa fosse contrata-los para produzir algum filme novamente. Por isso, eles retornaram para o cinema independente para fazer Uma Noite Alucinante 2, onde teriam total controle sobre a produção.
Numa condição financeira melhor, o trio achou que teria dinheiro suficiente para realizar Evil Dead 2. Porém, eles se equivocaram e mais uma vez estavam falidos. Pra piorar, eles não encontraram ninguém para financiar o projeto. Estavam totalmente perdidos e precisavam começar a demitir as pessoas que eles estavam pagando.
Uma dessas pessoas era uma assistente de diretor. Depois disso, ela foi embora para outro estado a procura de emprego. Na Carolina do Norte, ela foi contratada para trabalhar nas filmagens de Comboio do Terror (1986), dirigido e roteirizado por Stephen King. Ele perguntou pra ela: “No que você andou trabalhando antes?”. E ela: “Eu estava de assistente de diretor para um filme de Sam Raimi, Rob Tapert e Bruce Campbell. Eles estavam produzindo Evil Dead 2, mas não arranjavam mais dinheiro, por isso vim pra cá”.
King foi então conversar com quem estava financiando seu filme, ninguém menos que Dino de Laurentiis, um dos maiores produtores de cinema de todos os tempos. O escritor disse a Dino como esses caras são bons. Convencido, o produtor rapidamente entrou em contato com o trio e eles fecharam acordo sem pensar duas vezes. E assim mais uma vez, Stephen King salvou a vida de Sam, Bruce e Rob.
Com mais humor e ainda mais gore, Uma Noite Alucinante 2 superou o sucesso do primeiro. Atingiu quase 6 milhões de dólares na bilheteria americana e ficou entre as quinze maiores dos filmes de terror de 1987.
Nota: 5 / 5
Uma Noite Alucinante 3 (Army of Darkness, 1992)
O mais polêmico da trilogia abraça de vez a comédia e nos leva para uma história de aventura e fantasia na Idade Média!
Ao final de Uma Noite Alucinante 2, Ash é sugado por um portal do tempo de volta à época medieval no de 1300. Na história do terceiro longa, Ash se torna um herói para o povo. Agora ele precisará encontrar o paradeiro do Livro dos Mortos para descobrir uma maneira de retornar ao seu tempo, ao passo que para isso uma série de desafios ele precisará enfrentar, incluindo a guerra travada com o exército das sombras.
Vale destacar que no filme anterior, a mão de Ash fica possuída e por isso ele a corta com uma moto-serra! Agora neste, Ash torna-se numa espécie de herói em posse da serra elétrica no lugar da mão que lhe falta.
Neste filme, conhecemos mais sobre nosso protagonista, uma vez que Evil Dead 1 e 2 são focados mais na narrativa ao invés de desenvolver personagens. Descobrimos então que Ash é um egocêntrico e mulherengo.
A preferência pelas cenas a noite permanece, mas perde-se totalmente o tom de terror. Os planos na câmera são bem mais abertos, valorizando mais o espaço ao redor. As cenas normalmente se passam em locais externos e é notável a ambição por inúmeras locações, que substituem a velha cabana.
Os efeitos especiais também chegam a um novo nível: um trabalho misto com maquiagem e stop-motion – homenagem ao trabalho de Ray Harryhausen, famoso animador conhecido por fazer os efeitos especiais de filmes como Jasão e os Argonautas (1963).
Originalmente, a ideia de Ash viajar pro passado foi planejada para Evil Dead 2. Contudo, a falta de recursos financeiros impossibilitou que Sam Raimi desse continuidade a seu projeto, deixando apenas uma ponta para Army of Darkness.
O longa atingiu a marca de 21,5 milhões de dólares na bilheteria mundial, porém não teve a mesma recepção positiva que os anteriores. Apesar de hoje ser apreciado pelos fãs da franquia, além de ter sido fundamental para dar início ao enredo da série Ash vs Evil Dead (falarei mais tarde sobre ela), Uma Noite Alucinante 3 foi bem polêmico na época. O terror foi deixado de lado e o tom mais pastelão tomou conta e ofendeu a muitos adoradores da saga.
Nota: 4 / 5
A Morte do Demônio (Evil Dead, 2013)
Trinta anos após o clássico, o trio Sam, Rob e Bruce decidiram dar vida novamente à franquia. Hollywood vivia numa onda de remakes de filmes consagrados das décadas de 1970 e 1980, como O Massacre da Serra Elétrica (2003), Halloween (2007), Sexta-Feira 13 (2009), A Hora do Pesadelo (2010) e A Hora do Espanto (2011). Logo, apesar de atrasado, foi a vez de Evil Dead.
Outro estilo característico do terror dos anos 2000 foi o uso e abuso do gore. A evolução tecnológica trouxe mais realismo para os longas. Jogos Mortais (2004) e suas inúmeras continuações foi o maior expoente desse fenômeno, com muito sangue e corpos mutilados.
Sam Raimi, que desde jovem demonstrou preferência por essa estética, trouxe este elemento para o remake. Mas para isso, ele deu chance para um diretor iniciante, Fede Alvarez. Nascido no Uruguai, sua filmografia independente apresentou grandes qualidades, além de estar toda publicada no YouTube, ferramenta a qual ele utilizou para divulgar seus filmes.
Em A Morte Demônio temos uma drástica mudança em comparação com o original. A princípio de enredo; os personagens não são os mesmos. A protagonista é Mia, interpretada por Jane Levy, uma viciada em drogas. Junto com seu irmão e mais três amigos, eles vão viver um tempo numa casa na floresta para tentar fazê-la parar. Lá eles acham o Livro dos Mortos e despertam algo demoníaco que irá matá-los um a um.
A melhor parte desse filme é como ele vai num crescente, sempre entregando uma cena mais aterrorizante que a outra. O desfecho é espetacular, que junto com a trilha sonora grandiosa, merecia ser colocada num quadro. Simplesmente inesquecível!
Realista como é, o gore provoca náuseas. Para cada lugar que olhamos há sangue, braços mutilados, cabeças decepadas e vômito. Tudo é sujo e podre. Nojento! Não há um herói como Ash, e não há mais comédia. O filme é sóbrio, escuro e preocupado em apenas chocar e assustar. Por um lado, relembra muito o original de 1981, mas por outro, A Morte do Demônio é muito diferente.
Entretanto, seus exageros também são seu pior defeito. Não há espaço para o suspense, para a imaginação. Qualquer sinal de que algo ruim irá acontecer logo se confirma com um demônio surgindo em tela.
Não há também empatia com os personagens, nenhum deles. As atuações não são ruins. Jane Levy é a que atua melhor ali, porém não há tempo suficiente para conquistar o público.
Ao final, uma cena pós-créditos revela Ash! Sugerindo que o filme não é um remake, mas uma sequência de Evil Dead de 1981. E possivelmente terá um crossover de Mia e Ash. Um crossover que até hoje não se concretizou.
A Morte do Demônio é basicamente sustos com muito sangue ao estilo que a juventude de hoje gosta.
Nota: 3 / 5
OUTRAS INDICAÇÕES
Ash vs Evil Dead
O crossover de Mia e Ash pode não ter acontecido, porém Sam Raimi trouxe uma grande surpresa para os fãs durante a San Diego Comic Com de 2015. Lá ele revelou o trailer de Ash vs Evil Dead, dando sequência as aventuras do nosso anti-herói Ash.
A série traz o tom usado em Uma Noite Alucinante 3, o Ash egocêntrico e mulherengo. Enquanto que o thrash é a principal característica do seriado.
O jeito canastrão de Bruce Campbell junto com seu estiloso carro e sua fantástica trilha sonora, contando com Deep Purple, AC/DC e Alice Cooper, nos transportam para um universo repleto de muito sangue, comédia e ação.
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